quarta-feira, 5 de setembro de 2012

quando um mestre traduz outro mestre e, apesar dos anos, isso não me sai da cabeça.


«É uma sensação estranha; deixei para amanhã as duas últimas páginas e meia, a assobiar para o lado. Depois passo os olhos por ela, mando-a só para receber e, como combinado, vou deixá-la em pousio para a ler sem me sentir tesicado pelo fantasma “Despacha-te, pá!” Resquícios que me ficaram da síndroma do “fecho de páginas”. Um gajo bem tenta, bem se esforça, mas não é de chumbo, a coisa fica em lume brando e salta quando menos se espera; a imprensa. Meu Deus, há quanto tempo ela não “fornece um novo dia” (Herberto Helder).
Mas devo confessar que, além da mencionada lágrima no olho, e não o escrevo “em forma de coração” (Salinger), chegada a hora de devolver o livro todo massacrado pelas molas que o mantêm aberto e anotado, sinto-me borradinho de medo. Uma coisa é lê-lo e conversarmos, outra, bem diferente, é o sentimento de frustração quando se acaba de traduzir um livro. Por mim falo, sinto-me roubado, privado de uma companhia; como se o computador tivesse dado o berro e oferecido um ficheiro ao vazio. Longe vá o agoiro; não me dava jeito nenhum, ver a minha biblioteca de babel a arder.»

Jorge Fallorca,
sobre o terminar da tradução de Diário Volúvel, de Enrique Vila-Matas

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