quinta-feira, 5 de julho de 2012

alimento



sempre que consigo fechar a porta em condições pergunto-me das voltas à chave que vais ter de dar para a fazer abrir se chegares depois de mim. o prédio é velho e as caixas de correio destoam entre si.
esta farta-se de receber cartas e postais. as outras estão cheias de publicidade aos quilos, das portas fechadas há anos no abandono de quem não arrisca estar sozinho.
já me avisaram vezes sem conta que aquela fechadura basta um solavanco e cai. nem tranca nem nada. fica para ali solta no alimento da alma que come migalhas aos poucos para não acordar serralheiros a meio da noite.

sais com cuidado.
apertas-me o braço, não vá a jangada partir-se a meio do naufrágio.
e olha que por aqui ninguém nada muito bem.
dão-se umas braçadas espalhafatosas entre muros.
aprende-se a remar de dia para à noite flutuar sem rede mais próximo do céu.
afinal, ao que parece, deus por lá nunca se viu.

dizem que, a bem da verdade, continua ainda e só a ser uma palavra.

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