quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

a gota de água

(...) E se os meus olhos fossem sensíveis aos ultravioletas ou aos infravermelhos, como é que eu veria os objectos? E se o meu globo ocular, na zona que a luz atravessa para penetrar na pupila, fosse facetado em vez de ser liso?

Sejamos modestos nas nossas "certezas" e na defesa das nossas "razões". É comum ver os seres humanos, eles e elas, encolarizarem-se para impor as suas razões. Eu, pessoalmente pouca importância atribuo às razões de cada um, porque a razão é uma coisa que todos têm.

Há alguém que não tenha razão? Não conheço. O modo de encarar qualquer assunto é, penso eu, um valor pessoal, isto é, pertence à pessoa, mas não é criação sua. Nós somo o resultado de uma encruzilhada complicadíssima onde se encontram presentes os nossos pais, os nossos avós, os nossos bisavós, etc., etc, de cada um dos quais recebemos uma parcela do nosso ser. Não é só o meu nariz que se pode parecer com o do meu avó materno, mas também o que eu sinto e o que eu penso. Desta mistura sai realmente um todo diferente de cada uma das partes que a originaram, e é desse todo que resultam os nossos sentimentos, os nossos pareceres, as nossas razões. São nossos, de facto, mas sujeitos a todos os condicionalismos que o originaram.

É assim que , pessoalmente, apresento as minhas razões, e não considero patetas, ou coisa pior, as razões dos outros que divergem das minhas. Cada um tem a razão que pode ter, e poderá apresentá-la com toda a convicção, com toda a dignidade mas sem prepotência, sem escutar, com sorriso oblíquo de troça ou de desprezo, a razão do outro. No que respeita ao assunto anterior, a criação do Universo, compreendo perfeitissimamente que, de acordo com a "certeza" de que tudo tem que ser criado, a totalidade dos seres humanos, desde os primitivos selvagens até às maiores inteligências da actualidade, afirmem ter sido um Deus qua a executou. Se não se libertarem da "certeza" de que tudo tem que ser criado, só lhes resta a solução de que algum ser, evidentemente não humano, criou o Universo. Pois não é evidente que uma coisa, seja o que for, tem que ser criada? Não sei. A minha resposta é: não sei. Sou incapaz de estender à feitura do Universo o mesmo critério que aplicaria à feitura do copo por onde bebo a minha água, que foi feito por um operário da Marinha Grande. Não sei. Os astrónomos anunciam constantemente a contrução de telescópios, cada vez de maior alcance, com que vão descobrindo novas galáxias, penetrando em espaços sempre mais distantes, as milhares de anos-luz, e para o ano verão mais longe, e para o ano que vem depois ainda mais longe. Mas então que é isto? Isto não tem fim? O espaço tem que ter fim, dirão eles. Terá que ter? Não sei. Até que um dia verão, pelo seu telescópio aperfeiçoadíssimo, a imagem de Deus? Será assim? Quando é que os homens entenderão que tudo quanto pensam está condicionado pela sua natureza humana, e que não devem estender ao Universo aquilo que se passa em casa deles? (...)



Rómulo de Carvalho


pour leila ;)

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