sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

da vaidade

foto: marlene dietrich e edith piaf

Nas recordações de qualquer homem há certas coisas que ele não revela a toda a gente, apenas aos amigos. Há outras que nem aos amigos ele revelará, apenas a si mesmo e só secretamente. E, finalmente, há outras que o homem até a si mesmo tem medo de revelar, e qualquer homem decente acumula bastantes recordações dessas. Ou seja, quanto mais decente for, tantas mais recordações dessas tem. Pelo menos, eu, pessoalmente, só há pouco ousei recordar certas aventuras do meu passado, a que até então me esquivara com uma espécie de inquietação. Ora, neste momento, quando não só estou a recordá-las mas ainda por cima me atrevo a anotá-las, queria experimentar: é possível, ou não, ser-se absolutamente sincero pelo menos consigo mesmo e não ter medo de toda a verdade? Uma observação: Heine afirma que as autobiografias sinceras são quase impossíveis e que, de certeza, qualquer homem mentirá ao falar de si mesmo. Na opinião dele, o Rousseau, por exemplo, caluniou-se a si mesmo nas suas confissões, e caluniou-se até intencionalmente, por vaidade. Estou convencido que Heine tem razão; compreendo muito bem como se pode, por vezes, só por vaidade, assacar a si próprio até alguns crimes, e eu percebo muito bem de que género pode ser essa vaidade. Heine, porém, estava a falar de um homem que se confessava, perante o público. Quanto a mim, escrevo só para a minha pessoa e declaro, de uma vez para sempre, que se escrevo como se estivesse a dirigir-me aos leitores, faço-o exclusivamente por fingimento, porque é mais fácil para mim escrever desta forma. É apenas uma forma, uma forma sem importância, nunca terei leitores. Já o declarei.

Fiódor Dostoiévski- Cadernos do Subterrâneo

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