sexta-feira, 22 de abril de 2011

reservado


foto: fabrice pinto

«Regresso a casa devagar, perdido , no tráfego da cidade. Então lentamente, a tua imagem oculta, um aceno horrível de outrora. Ah, tu não fazes ideia, Tina. Está bem que tinhas direito a uma definitiva aposentação. Mas eram só mais uns anos, Tina, assim deixas-me bem aflito. Só mais uns anos para que quando te lembrasses fosses só a minha recordação. Coisa fácil e avulsa só de recordar. Entro agora no Campo Grande,lembro-me de acender o rádio. Estou só, qualquer coisa que me faça companhia. Abro o rádio, uma sonata, parece-me, de Beethoven? uma coisa plana e larga como o nome de sonata.Podias ter esperado alguns anos, coisa pouca, o bastante para eu dizer sim à vida infame que me codilhou. O bastante para eu existir por mim. Espera, é a sonata ao luar, não gosto. O gosto dos outros comeu-lhe tudo, não gosto. Mas ouço não aquilo que vou ouvindo, mas o que ouço para lá. Assim tu não és coisa natural de recordar, mas a aflição que está para lá. Estou verdadeiramente embaraçado, tu não podes imaginar no conforto do teu descanso. E então devagar vou até à tua memória que é a realidade fictícia de eu estar bem onde não estou. Memória antiga como o começo do mundo.»

v.f.

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