Tentar entender aquilo por que passamos quando uma perda se dá - negação, atracção, consumação, espera, desespero, aceitação, luto, sobrevivência – faz com que possamos estar alertados para os danos que uma perda causa e que evitemos contribuir para que outras aconteçam. Ou pelo menos, não podendo evitar que aconteçam, podemos tentar minimizar o sofrimento associado.
Esta festa também faz com que me lembre da primeira festa a que fui, na metrópole. Naquela altura os retornados eram facilmente identificáveis pelos de cá: pela forma como nos vestíamos – roupas que tínhamos trazido de lá e que não eram habituais aqui ou roupa que nos era dada por organizações de caridade e que nunca era apropriada – pelo tom de pele, pelo sotaque. Éramos facilmente identificáveis e ninguém se queria dar connosco: tínhamos estado em África a explorar os pretos e tínhamos condutas reprováveis. Nunca era convidada para os aniversários dos meus colegas. Via os outros serem convidados e eu não. E ficava triste. Não é fácil lidar com a rejeição. Até que um dia houve uma colega que me convidou. Nem consegui dormir, tão contente fiquei. Preparei-me para a festa, entusiasmada. Pensava nas festas de Luanda e mal podia esperar que o dia chegasse. Mas o dia chegou e a festa resumia-se a um gira-discos colocado em cima de uma cama, à volta da qual pouco espaço havia para dançar, e a um lanche em que o grande atractivo eram pratinhos com bolachas Maria empilhadas e moles. Percebi imediatamente que não queria aquelas festas. Passar de rejeitado ao que rejeita por vezes demora menos de nada.
Já ninguém consegue identificar e reconhecer os retornados. É o que se chama integração: deixa-se de dar conta daquilo que eram os elementos estranhos. Será porque eles deixaram de ser distintos ou porque passaram a usar uma máscara que faz com que ninguém seja já capaz de reconhece-los como estranhos? Estou convencida de que estarmos integrados, retornados ou não, tem mais que ver com combinarmos usar todos a mesma máscara. Despidos da mesma farda, sentimo-nos mais ameaçados ou mais ameaçadores. Raramente queremos isso. (...)
Esta festa também faz com que me lembre da primeira festa a que fui, na metrópole. Naquela altura os retornados eram facilmente identificáveis pelos de cá: pela forma como nos vestíamos – roupas que tínhamos trazido de lá e que não eram habituais aqui ou roupa que nos era dada por organizações de caridade e que nunca era apropriada – pelo tom de pele, pelo sotaque. Éramos facilmente identificáveis e ninguém se queria dar connosco: tínhamos estado em África a explorar os pretos e tínhamos condutas reprováveis. Nunca era convidada para os aniversários dos meus colegas. Via os outros serem convidados e eu não. E ficava triste. Não é fácil lidar com a rejeição. Até que um dia houve uma colega que me convidou. Nem consegui dormir, tão contente fiquei. Preparei-me para a festa, entusiasmada. Pensava nas festas de Luanda e mal podia esperar que o dia chegasse. Mas o dia chegou e a festa resumia-se a um gira-discos colocado em cima de uma cama, à volta da qual pouco espaço havia para dançar, e a um lanche em que o grande atractivo eram pratinhos com bolachas Maria empilhadas e moles. Percebi imediatamente que não queria aquelas festas. Passar de rejeitado ao que rejeita por vezes demora menos de nada.
Já ninguém consegue identificar e reconhecer os retornados. É o que se chama integração: deixa-se de dar conta daquilo que eram os elementos estranhos. Será porque eles deixaram de ser distintos ou porque passaram a usar uma máscara que faz com que ninguém seja já capaz de reconhece-los como estranhos? Estou convencida de que estarmos integrados, retornados ou não, tem mais que ver com combinarmos usar todos a mesma máscara. Despidos da mesma farda, sentimo-nos mais ameaçados ou mais ameaçadores. Raramente queremos isso. (...)
dulce maria cardoso, o retorno, tinta da china
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