segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

cynthia


Fleur du Jour
Ballarat International Foto Biennale - Melbourne, Australia
Opening 8th of August 2011

Oh the fragility of beauty,
how short lived is the flower that mimics a moment of life
though for some,
the youth of our bloom is past,
as petals bury themselves in dust.

It is the beauty of age that fires our spirit
that freshens our sight,
the sight of the past
that is better to have had, than to have not.

- Karalla -

no éter

rocei o ombro com alguém que passava na mesma rua.
de encontrão, ouvi saltar-lhe da boca que bebia cada vez mais café.
que o café lhe cortava a fome.
que o tempo era de não comer. que tinha de não comer.
que era preciso cortar na refeição e aumentar o café.


e hoje a cena de polícia à porta de casa.
a criança no colo, nos braços e a branca no bolso.
gritavam.

a realidade fez-me sentir a sorte de não beber tanto café assim.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

casa das histórias


"Nunca mais tirarei os olhos de ti. Vou olhar para ti ininterruptamente.
E, depois de uma pausa: - Tenho medo quando o meu olho pisca. Medo de que, durante esse segundo em que o meu olhar se apaga, se introduza no teu lugar uma serpente, uma ratazana, outro homem.
Ele tentava erguer-se um pouco para lhe tocar com os lábios.
Ela abanava a cabeça: - Não, só quero olhar para ti.
E depois: - Vou deixar o candeeiro aceso toda a noite. Todas as noites."

milan kundera, a identidade


fi-nal-men-te, fazer repousar ao ponto de te deixar ler-me. a história.

curta metragem



ainda há pessoas que nos enviam mensagens a dizer que estão 5 minutos atrasadas.
pessoas que nos arrancam da sombra e nos levam para o sol mais alto.

ainda há pessoas que movem montanhas para nos fazerem sentir felizes.
porque é isso que as faz felizes também.
essas pessoas dizem-nos que somos bonitas, que o paralelo entre isto e o resto não existe.

ainda há pessoas que nos colocam gelados nas mãos e nos mostram que o melhor, até pode ser a baunilha.

ainda há pessoas que embarcam nos nossos sonhos. e nos deixam escrever, dizer, gritar o que nos apetece.


ainda há gestos maiores do que palavras. que essas, desacreditam.

aos que desmaiaram na sala de cinema


não sabem o que perderam...
nem imaginam as gargalhadas que ainda dou quando penso nisso. :) :) :)

a estupidez humana

há quem coloque alimento para plantas pelo nariz acima.
e se ache o máximo. e leve os outros com eles, a definhar.
a crer na ilusão da mentira. da suposta criatividade, roubada a sinapses espasmódicas de paranóias a longo prazo.

o arrasto por fenómeno de fraqueza e contágio.
a isso eu chamo vegetar.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

hotel baccarat




correr a cidade para o encontrar. a sandália verde, atada na perna remendada.
a mala atrás com pulso firme e convicção no andar.
chegar.

a porta de vidro abre.

eternidade.



esquartejamento energético

«como todo o ser humano está sujeito a conviver com a influência de algumas centenas de egrégoras, a arte de viver consiste em só manter no seu espaço vital egrégoras compatíveis. Sendo elas forças grupais, um indivíduo será sempre o elo mais fraco. Se estiverem em dessintonia umas com as outras, geram um campo de força de repulsão e, se você está no seu comprimento de onda, ao repelirem-se mutuamente, elas rasgam-no ao meio, energeticamente. Dilaceram as suas energias, como se você estivesse sofrendo o suplício do esquartejamento, com um cavalo amarrado em cada braço e em cada perna, correndo em direções opostas.»

karma e dharma, derose

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

aldeia da roupa branca

as cartas ficam no café do bairro.

e a dona do café grita por mim ao ver-me passar.

i have a hole in my stomach



so, why don't you find something to fill it with, right now?

otherwise, you'll be hungry for a long time.

tens direito a um subsídio de paz



e eu não te quero importunar a meio da noite.

a vida corre.
e nós todos também.
se respiramos é porque não soubemos fazer de outro modo.
se soubéssemos, há muito que estaríamos de pulmões mais que vazios.
as veias seladas e a língua atravessada na garganta calada.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

conheço muito boa gente que nunca lutou para ter nada na vida.
que quase sempre levou com tudo no colo. assim de bandeja.

nunca souberam o que era agarrar com toda a força uma oportunidade, porque dela não dependia a sobrevivência.
o carrinho, a casa, a faculdade, o trabalho e o resto que acumularam sempre foi assegurado pelo papá.
nunca suaram para pagar com o seu trabalho a vida que queriam.
sempre contaram com algo ou alguém que lhes amparasse as quedas.
nunca correram atrás de nada sozinhos.
os sonhos, têm quem se encarregue de lhos realizar.

nunca se levantaram de manhã com o sabor na boca da renda da casa ou da chuva que lhes caiu sobre a nuca no dia anterior. das contas que não se pagam no mês seguinte. nem no outro.

nunca se deitaram com o peso nas pernas dos quilómetros caminhados em busca de um sentido maior.

nunca olharam para um quadro na parede ou uma fotografia dentro de um livro com a certeza de que aqueles momentos foram vividos com a intensidade de ser o último.

felizmente, conheço muito mais gente que sabe o que isso é.
e não tem a casa do papá nem o carro da mamã e acorda de manhã com a força e a garra de fazer continuar os sonhos que insistem em adiar.
e que partilham o pouco que têm. e multiplicam por muito. para dar cada vez mais.
porque isso sim, é tudo o que existe.



o cinzento fresco que o meu tempo tem


não depende de ninguém

Dá-me o mar, o meu rio, minha calçada.
Dá-me o quarto vazio da minha casa
.

Vou deixar-te no fio da tua fala. Sobre a pele que há em mim




Tu não sabes nada.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

i will shape myself into your pocket


Invisible

Do what you want

Do what you want

I will sink and I will disappear

I will slip into the groove

you cut me up, you cut me up

There’s an empty space inside my heart

Where the weeds take root

And now I’ll set you free

I’ll set you free

There’s an empty space inside my heart

Where the weeds take root

Tonight I’ll set you free

I’ll set you free

Slowly we unfurl

As lotus flowers

‘Cos all I want is the moon upon a stick

Just to see what is

Just to see what is

I can’t kick your habit

Just to fill your fast-ballooning head

Listen to your heart

We were shaking and be quiet as mice

While the cat is away

Do what we want

Do what we want

There’s an empty space inside my heart

Where the roots take place

So now I’ll set you free

I’ll set you free

‘Cos all I want is the moon upon a stick

Just to see what if

Just to see what is

Birds float into my room

Slowly we unfurl

_______

‘Cos all I want is the moon upon a stick

I feel surrounded here

The darkness is for me

I can’t kick your habit

Just to fill your fast-ballooning head

Listen to your heart

open your mouth wide



Universal sighs

And while the ocean blooms

It’s what keeps me alive

So I lose and start over

Don’t blow your mind with why

I’m moving out of orbit



the king of limbs, radiohead, 2011


em repeat, repeat, repeat..........

Follow your inner moonlight; don't hide the madness.

allen ginsberg



song


The weight of the world
is love.
Under the burden
of solitude,
under the burden
of dissatisfaction

the weight,
the weight we carry
is love.

Who can deny?
In dreams
it touches
the body,
in thought
constructs
a miracle,
in imagination
anguishes
till born
in human--
looks out of the heart
burning with purity--
for the burden of life
is love,

but we carry the weight
wearily,
and so must rest
in the arms of love
at last,
must rest in the arms
of love.

No rest
without love,
no sleep
without dreams
of love--
be mad or chill
obsessed with angels
or machines,
the final wish
is love
--cannot be bitter,
cannot deny,
cannot withhold
if denied:

the weight is too heavy

--must give
for no return
as thought
is given
in solitude
in all the excellence
of its excess.

The warm bodies
shine together
in the darkness,
the hand moves
to the center
of the flesh,
the skin trembles
in happiness
and the soul comes
joyful to the eye--

yes, yes,
that's what
I wanted,
I always wanted,
I always wanted,
to return
to the body
where I was born.

San Jose, 1954


the howl, allen ginsberg

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

natural selection

rêve




L'hiver, nous irons dans un petit wagon rose
Avec des coussins bleus.
Nous serons bien. Un nid de baisers fous repose
Dans chaque coin moelleux.

Tu fermeras l'oeil, pour ne point voir, par la glace,
Grimacer les ombres des soirs,
Ces monstruosités hargneuses, populace
De démons noirs et de loups noirs.

Puis tu te sentiras la joue égratignée...
Un petit baiser, comme une folle araignée,
Te courra par le cou...

Et tu me diras: "Cherche!" en inclinant la tête,
Et nous prendrons du temps à trouver cette bête
Qui voyage beaucoup...

Arthur Rimbaud

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

ninguém me avisou


que seria assim

tanta luz em tão pouco tempo,
isto merece vírgula por não ter fim nem merecer pontos finais,

the rider
i'm the eternal rider
only happy inside her
only happy inside everyone.

eternal.
rider.
the keeper.
from the storm.



terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

on the wall

I am silver and exact. I have no preconceptions.
Whatever I see I swallow immediately
Just as it is, unmisted by love or dislike.
I am not cruel, just truthful -
The eye of a little god, four cournered.
Most of the time I meditate on the opposite wall.
It is pink, with speckles. I have looked at it so long
I think it is a part of my heart. But it flickers.
Faces and darkness separate us over and over.

Now I am a lake. A woman bends over me,
Searching my reaches for what she really is.
Then she turns to those liars, the candles or the moon.
I see her back, and reflect it faithfully.
She rewards me with tears and an agitation of hands
I am important to her. She comes and goes.
Each morning it is her face that replaces the darkness.
In me she has drowned a young girl, and in me an old woman
Rises toward her day after day, like a terrible fish.

sylvia plath


é por isso que digo.

«e os relógios de pulso seriam pulseiras ruidosas,
mecânicas de mais para estarem tão próximas da mão
capaz de tocar com leveza.»

gonçalo m. tavares, 1 - beirute

quem chega


estamos sempre próximos de algo que não somos nós.

e distantes no alcance aparente daquilo que são os outros.



there he goes

off he goes :) :) :) :)



sábado, 12 de fevereiro de 2011

à noite

comecei a pensar no que dirias ao me ver a viver ali, no meio daquele gentio de almas gritantes, se ainda cá estivesses.

seria mais um motivo. para dizeres o que nunca dissemos.

pertencer


aqui.

saber que tudo o que deixamos para trás faz parte de nós.
que sem isso, não seríamos quem somos hoje e quem queremos ser amanhã.

agarrar essa certeza firme, mas em bicos de pés.
navegar, rumar a bom porto. e chegar. querer. ficar.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

feira da ladra

é a solução.



amores de tóquio, a perdição.

o remédio, o panteão.

até já.

a revolução


somos nós

quase / eterna



"leveza e abundância".

a.s.

a sério

eu ainda não acredito que uma sra esteve morta durante nove anos, caída no chão da cozinha da sua casa e ninguém, nada, bicho ou pessoa, deu pela estranheza da sua ausência.
até os animais de estimação estavam caídos ao seu lado. como naquele dia foram ficando.
aos poucos.
recuso-me.
houve quem se desse ao trabalho de tentar saber, mas tudo caiu em saco roto.
todos voltaram ao eixo gravitacional umbiguista mais urgente: o seu.

o tempo passou e os afazeres do mundo trataram de a fazer desaparecer da face da terra.
até há dois dias. quando o fisco lhe bateu à porta. esse sim, implacável e insistente. não esquece nada nem ninguém. muito menos a morte lhe escapa.


isto não é insólito. deixa de ser cómico de tão hediondo. é terrível. é o medo da solidão que alastra e pode tocar o ombro de qualquer um.
é o horror, o horror do coronel kurtz. é o fim do mundo, não em cuecas, mas despido de qualquer dignidade.
é o fim. ponto.




até que enfim, chegar


I won't wait

Till you come down

Till you come down

From way high

We were lost

We were forsaken

No compassion

Too high

We were pushed

Into pieces

We were scattered

Full of light

There's no peace

For the vicious

At the ending

I'm Out of sight


quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

hoje


A principio é simples, anda-se sozinho
passa-se nas ruas bem devagarinho
está-se bem no silêncio e no borborinho
bebe-se as certezas num copo de vinho
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

Pouco a pouco o passo faz-se vagabundo
dá-se a volta ao medo, dá-se a volta ao mundo
diz-se do passado, que está moribundo
bebe-se o alento num copo sem fundo
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

E é então que amigos nos oferecem leito
entra-se cansado e sai-se refeito
luta-se por tudo o que se leva a peito
bebe-se, come-se e alguém nos diz: bom proveito
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

Depois vêm cansaços e o corpo fraqueja
olha-se para dentro e já pouco sobeja
pede-se o descanso, por curto que seja
apagam-se dúvidas num mar de cerveja
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

Enfim duma escolha faz-se um desafio
enfrenta-se a vida de fio a pavio
navega-se sem mar, sem vela ou navio
bebe-se a coragem até dum copo vazio
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

E entretanto o tempo fez cinza da brasa
e outra maré cheia virá da maré vazia
nasce um novo dia e no braço outra asa
brinda-se aos amores com o vinho da casa
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida.

sérgio godinho


get down



For the girl you have in that merry green land


Can wait forever for you to come home.



do you see what I see, dear?




Slide on over here, let me give you a squeeze
To avert this unholy evolutionary trajectory
Can you hear what I hear, babe?
Does it make you feel afraid?





"isso passa-lhe. tudo passa. daqui a nada é como se visses ali o teu filme de outrora. só que és o espectador e aplaudes no fim."



terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

o bom presságio

de hoje recomeçar a anatomia de grey. :) :)

shell games


bright eyes, the people's key, 2011

superlativo



Assim que se olharam, amaram-se; assim que se
amaram, suspiraram; assim que suspiraram, perguntaram-se um ao outro o
motivo; assim que descobriram o motivo, procuraram o remédio.


Shakespeare



rise again


let england shake, pj harvey, 2011

aaawwwwwwwwwwwwwwwwwwwwww!




manhãs


É quando um espelho, no quarto,
se enfastia;
Quando a noite se destaca
da cortina;
Quando a carne tem o travo
da saliva,
e a saliva sabe a carne
dissolvida;
Quando a força de vontade
ressuscita;
Quando o pé sobre o sapato
se equilibra...
E quando às sete da tarde
morre o dia
- que dentro de nossas almas
se ilumina,
com luz lívida, a palavra
despedida.


david mourão-ferreira


flutuamos

We wanted to find love
We wanted success
Until nothing was enough
Until my middle name was excess

Somehow I lost touch
When you went out of sight
When you got lost into the city
Got lost into the night

I was in need of help
Heading to blackout
Till someone told me "run on in honey
Before somebody blows your goddamn brains out"

You shoplifted as a child
I had a model's smile
You carried all my hopes
Until something broke inside
But now

We float
Take life as it comes
We float
Take life as it comes

So will we die of shock?
Die without a trial?
Die on Good Friday?
While holding each other tight

This is kind of about you
This is kind of about me
We just kinda lost our way
We were looking to be free
But one day

We'll float
Take life as it comes
We'll float
Take life as it comes

polly jean h.


unkle @ brixton academy


sold out \m/

control


"Blood. Sometimes it sets my teeth on edge, other times it helps me control the chaos."


dexter

domingo, 6 de fevereiro de 2011

existe, sim




Como uma esperança negra, qualquer coisa de mais antecipador pairou: a mesma chuva pareceu intimidar-se; um negrume surdo calou-se sobre o ambiente. E súbito, como um grito, um formidável dia estilhaçou-se. Uma luz de inferno frio visitara o conteúdo de tudo, e enchera os cérebros e os recantos. Tudo pasmou. Um peso caiu de tudo porque o golpe passara. A chuva triste era alegre com o seu ruído bruto e humilde. Sem querer, o coração sentia-se e pensar era um estonteamento. Uma vaga religião formava-se no escritório. Ninguém estava quem era, e o patrão Vasques apareceu à porta do gabinete para pensar em dizer qualquer coisa. O Moreira sorriu, tendo ainda nos arredores da cara o amarelo do medo súbito. E o seu sorriso dizia que sem dúvida o trovão seguinte deveria ser já mais longe. Uma carroça rápida estorvou alto os ruídos da rua. Involuntariamente o telefone tiritou. O patrão Vasques, em vez de retroceder para o escritório, avançou para o aparelho da sala grande. Houve um repouso e um silêncio e a chuva caía como um pesadelo. O patrão Vasques esqueceu-se do telefone, que não tocara mais. O moço mexeu-se, ao fundo da casa, como uma coisa incómoda.

Uma grande alegria, cheia de repouso e de livração, desconcertou-nos a todos. Trabalhámos meio tontos, agradáveis, sociáveis com uma profusão natural. O moço, sem que ninguém lho dissesse, abriu amplas as janelas. Um cheiro a qualquer coisa fresca entrou, com o ar de água, pela grande sala de adentro. A chuva, já leve, caía humilde. Os sons da rua, que continuavam os mesmos, eram diferentes. Ouvia-se a voz dos carroceiros, e eram realmente gente. Nitidamente, na rua ao lado, as campainhas dos eléctricos tinham também uma socialidade connosco. Uma gargalhada de criança deserta fez de canário na atmosfera limpa. A chuva leve decresceu.

Eram seis horas. Fechava-se o escritório. O patrão Vasques disse do guarda-vento entreaberto, «Podem sair», e disse-o como uma bênção comercial. Levantei-me logo, fechei o livro e guardei-o. Pus a caneta visivelmente sobre a depressão do tinteiro, e avançando para o Moreira, disse-lhe um «até amanhã» cheio de esperança, e apertei-lhe a mão como depois de um grande favor.



bernardo soares, o livro do desassossego


há uma hora

saímos...





gente feliz
gente infeliz

o que importa é ter lavados e muitos dentes brancos à mostra.



o êxtase dos anjos




1972, wakamatsu


(...) porque a poesia não é para galvanizar isso
a poesia a poesia
o recôncavo azul do firmamento
que é negro
e outras coisas mais
se ainda é tempo de ver por cima do prato
os vigia os paloma os clandestinos os lâmpara
os invisíveis anjos guardadores
do trabalho que não pode ser adiado
e não esta linguagem de lamento esta linha de rogo que frustra a voz
não este verso exposto a mil vagares na almofada branca de uma página
mil vezes decapitada na praça pública
em oitavas e quartas paralelas e sétimas dominantes cheias de horror
e ainda assim contentes
de bailarem em torno do seu próprio círculo
mas o que na manhã só uma vez quase ouvimos
um para o outro
um dentro do outro
mais interiores à magnificência da espécie
do que aos espaçosos e nobres labirintos do canto


olha o côncavo azul
, mário cesariny



luz nova



a vida não é sonho.
abro a porta da rua, olho para trás e apago a luz.



this is not simply a metaphor



julião sarmento, 2002


interditar a memória.
Tornar a inteligência bela é voltar à não inteligência.
Só é belo o que não é inteligente; porque o inteligente é o não imediato: um passo atrás ou à frente, enquanto o belo é o instante, a superfície tão fina que frente igual a COSTAS, o início é o mesmo que o FIM.
interditar a memória.
a memória é ocupação do espaço.
a memória é o não imediato,
a memória é o inteligente.
O Corpo inteligente é inteligente mas não é corpo porque corpo é estar presente, agora, por completo, e o inteligente, repito o inteligente é o não-imediato, um passo atrás ou à Frente.
a dança não tem Memória.
A criatividade não tem Memória.
O Corpo começa agora no momento que acaba.
O Corpo começa no mesmo sítio que acaba.
O corpo é 1 sítio e 1 tempo e depois 1 outro sítio e 1 outro tempo que não recordam o sítio e o tempo anteriores.
CORPO AMNÉSICO.
Esqueceu porquê aqui e agora.
Aqui e agora e antes nada.
Aqui e agora e depois nada.
CORPO AMNÉSICO e sem projectos.
Cortar-lhe a cadeira dos velhos e o monte donde se vê o FUTURO dos NOVOS.
Um CORPO sem cadeira (não há cansaço porque antes não existiu) e UM CORPO sem VISÃO (o FUTURO é 1 espaço onde ainda não se chegou).
Sem visão não há nenhum lado onde se chegar, e sem cadeira não há sítio onde descansar, portanto só resta ao corpo ser todo aqui e agora e só resta ao corpo dançar.
(Corpo a quem cortaram a cadeira e os olhos).

Gonçalo M. Tavares, «O Livro da Dança», Assírio & Alvim (2001)



the fifty faces of juliet



nelson d'aires

black



- what happened to my sweet girl?

- she's gone...

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

5 mulheres à volta de utamaro



Kenji Mizoguchi realizou este filme num Japão ocupado e em plena reconstrução norte-americana. Embora o nome e personagem advenham do artista japonês do século XVIII do mesmo nome, a comparação com a própria vida de Mizoguchi é inevitável. O pintor Utamaro procura retratar mulheres de extraordinária beleza, e para tal frequenta assiduamente os bordéis de forma a encontrar as suas modelos. Embora apreciada por diversos admiradores, a sua arte acaba por metê-lo em problemas. Tal como Utamaro, Mizoguchi (admirado por uns e ignorado por outros) desafiou o conservadorismo de MacArthur com temas de emancipação feminina e democracia liberal, conseguindo eventualmente autorização para estejidai-geki, hoje considerado uma obra-prima. Em ciclo “Cinema e Pintura”.

Na Mouraria :)
manifestei a visão de ser altruísta ao ponto de me estar a marimbar para a almofada onde pouso a cabeça.

desde que seja macia, cheire a ti e me deixe moldar o cabelo em madeixas soltas que implicam constantemente com a espuma do colchão e as molas do estrado.

enrolar-me no lençol, era só isso, e enrolar.

mais uma vez.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

muro



um homem tem de saber fazer fogo.


como uma mulher tem de saber sorrir quando ele não consegue.


quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

figos




A maneira correcta de comer um figo à mesa

É parti-lo em quatro, pegando no pedúnculo,
E abri-lo para dele fazer uma flor de mel, brilhante, rósea, húmida,
desabrochada em quatro espessas pétalas.

Depois põe-se de lado a casca
Que é como um cálice quadrissépalo,
E colhe-se a flor com os lábios.

Mas a maneira vulgar
É pôr a boca na fenda, e de um sorvo só aspirar toda a carne.

Cada fruta tem o seu segredo.
O figo é uma fruta muito secreta.
Quando se vê como desponta direito, sente-se logo que é simbólico:
Parece masculino.
Mas quando se conhece melhor, pensa-se como os romanos que é
uma fruta feminina. (...)

d.h. lawrence

trad. herberto hélder, as magias - poemas mudados para português


igualmente

«Normalmente, a ausência de dor é apenas a condição física necessária para que o indivíduo sinta o mundo; somente quando o corpo não está irritado, e devido à irritação voltado para dentro de si mesmo, podem os sentidos do corpo funcionar normalmente e receber o que lhes é oferecido. A ausência de dor geralmente só é «sentida» no breve intervalo entre a dor e a não-dor; mas a sensação que corresponde ao conceito de felicidade do sensualista é a libertação da dor, e não a sua ausência. A intensidade de tal sensação é indubitável; na verdade, só a sensação da própria dor pode igualá-la.»



Hannah Arendt, A Condição Humana

the real thing

I know the feeling
It is the real thing
The essence of the truth
The perfect moment
That golden moment
I know you feel it too
I know the feeling
It is the real thing
You can't refuse the embrace

This is so unreal, what I feel
Flood, sell your soul, feel the blood
Pump through your veins, can't explain
The element that's everything
Just clench your fist and close your eyes
Look deep inside, hypnotize
Yes, the ecstasy, you can pray
You will never let it slip away

Like the echoes of your childhood laughter, ever after
Like the first time love urged you to take it's guidance, in silence
Like your heartbeat when you realize you're dying, but you're trying
Like the way you cry for a happy ending, ending
I know

f.n.m.





Não sei como vieste,


mas deve haver um caminho
para regressar da morte.

e.a.


«still»


cindy sherman, 1978

o conceito de feminino que se perdeu na noite dos tempos chega agora amarrado ao fazer tudo, ser tudo, aguentar tudo e ao mesmo tempo, não se perder em nada. porque a mulher consegue milagres. e se não conseguir, virá outra que consiga e queira. que aguente. que se sujeite. ora, diz-me o instinto que o caminho enveredou pela porta mais sinuosa. e que existem limites para tudo. até para quando nos asseguram que não. que somos capazes de lá ir. e fazer. doa a quem doer.

pestanejo. duvido. escondo. pensando que sou capaz.

the diver within




Paul Thek, installation view "Ark, Pyramid, Easter - a visiting group show", Museum of Art Lucerne, 1973 © Museum of Art Lucerne


e depois ela tomou banho em morango e ele ficou a ver

«but... I was thinking that I could read the books and tell you what's going on and that way you could just focus on your music. But only if you're comfortable with this, and if you're not then you can just forget it, and you can quit, but if you are... then open this door.»